Tenho saudades de me demorar.
Tenho saudades de me poder demorar, de me poder mostrar, de poder ser sem medo de me perder e ficar por lá.
Tenho saudades de me demorar em conversas aborrecidas, porque nem tudo tem de ser agitação, animação, ânimo, êxtase, sensualidade e alegria.
Tenho saudades de me demorar, porque a vida também é melancolia, também é passado, são histórias onde não voltarei, começos, recomeços, cambalhotas e quedas de cabeça que me fizeram balançar, recomeçar e também estremecer, sabes? Tive realmente medo de me perder e de não mais voltar.
Tenho saudades de me demorar, de pedir café e ele arrefecer pelo tempo que ali estive.
Saudades de sentir que não foi tempo perdido, porque na companhia certa, nunca é.
Tenho saudades, e não é só de me demorar, tenho saudades de ir sem ganas de voltar. Sem desculpas, sem medo de me entregar porque outrora já me entreguei e quando me devolveram, voltei um farrapo.
Cheguei ao destino como se fosse uma camisa de linho, tinha na etiqueta todas as instruções de uso: graus, temperaturas e avisos de saturação.
Voltei queimada, desfigurada, desfeita e sem cor ou forma.
O linho é agora outro tecido qualquer e as regras estão a ser reformuladas, adaptadas e estou a ajustar-me a um mundo que de linho tem pouco, porque já todos passámos por vários processos forçados de centrifugação.
Estou a tentar descobrir quem é que eu sou depois de terem desfeito todo o meu manual de normas. Por agora sei que tenho saudades de me demorar. De estar. De ficar. É bom ficar sem pressas, sem reservas, sem medo, é bom quando é domingo a meio da semana, é bom estar. Mesmo que todos os órgãos tenham congelado, eu sempre fui de voar.
É bom não querer partir, não fugir, não olhar para as horas porque o tempo poderia não existir. Ouvir mais do que uma música, uma banda, um concerto, fazer tudo pela primeira vez, outra e outra vez. Confundir o dia com a madrugada, ou pura e simplesmente só estar por estar, mesmo que em silêncio, sem que isso seja constrangedor.
É bom ir, mas é ainda melhor conseguir ficar, mesmo que sejamos todos tecidos em remendos, como se tivéssemos estado a secar ao sol em dias de tempestade.
Tenho saudades de ir, sem pressa de voltar.